quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Jeux D'Enfants



Em inglês chamaram-lhe Love Me If You Dare e em português Amor Ou Consequência.
Recordo-me de arrastar dois grandes amigos meus para irem ao cinema ver esta película. 
Um dos filmes mais originais e deliciosos que experiencei. A premissa é aliciante: duas crianças e uma caixa: quem a possui desafia a outra a realizar uma determinada tarefa. Julien e Sophie (brilhantemente interpretados por Guillaume Canet e Marion Cotillard) vão crescendo agarrados a esse jogo insano, que se vai tornando cada vez mais obsessivo e desafiante.
À medida que o grau de exigência aumenta, parecem tornar-se mais dependentes da caixinha de surpresas.
Este filme tem uma das sequências mais geniais a que alguma vez assisti. Existe um determinado período de tempo durante o qual os protagonistas não se vêem (e em que (como em todos os filmes) esse tempo se resume a uns segundos com uma musiquinha). Após esses instantes cinematográficos (longos e arrastados momentos na vida real) Julien relembra tantas e tantas coisas que se passaram nesse tempo, tantas e tantas coisas que povoaram a sua vida, tantas e tantas coisas que fez, tantos e tantos pensamentos que teve, tantas e tantas sensações que sentiu; toda uma amálgama de acontecimentos que teve lugar durante esse período de tempo. Porém, e apesar de tudo o que viveu, apenas nesse momento, nesse precioso instante em que entrou de novo no jogo sente que está de novo a viver. Sente-se vivo, como não sentia desde o último desafio. Agora percebe que toda essa panóplia de momentos acumulados a que se resumia a sua vida eram apenas uma distracção, na imperturbável espera até esse instante em que se sentia despertar do sono profundo que vivera todo esse tempo. No fundo sabia-o, mas agora sente-o, em todas as suas veias, em todos os seus poros, com toda a força que o atravessa. E essa sensação é magnificamente transmitida pelo filme. Essa sensação que assalta Julien de que só esse momento importa, como se o ontem e o amanhã não existissem, nunca tivessem existido. Como se só naquele momento se sentisse verdadeiramente em comunhão com a vida e o universo. É uma cena duma intensidade feroz. Há momentos assim: em que tudo o que interessa se nos oferece. Momentos em que todos os passos anteriores parecem apenas servir para culminar nesse instante. Momentos em que o que sentimos se sobrepõe ao que pensamos, porque em última instância apenas isso importa, em última instância; como dizia esse magnífico poeta que Pessoa criou e baptizou de Ricardo Reis:

“O meu olhar é nítido como um girassol. 
Tenho o costume de andar pelas estradas 
Olhando para a direita e para a esquerda, 
E de, vez em quando olhando para trás... 
E o que vejo a cada momento 
É aquilo que nunca antes eu tinha visto, 
E eu sei dar por isso muito bem... 
Sei ter o pasmo essencial 
Que tem uma criança se, ao nascer, 
Reparasse que nascera deveras... 
Sinto-me nascido a cada momento 
Para a eterna novidade do Mundo... 

Creio no mundo como num malmequer, 
Porque o vejo. Mas não penso nele 
Porque pensar é não compreender... 

O Mundo não se fez para pensarmos nele 
(Pensar é estar doente dos olhos) 
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... 

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... 
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, 
Mas porque a amo, e amo-a por isso, 
Porque quem ama nunca sabe o que ama 
Nem sabe por que ama, nem o que é amar... 
Amar é a eterna inocência, 
E a única inocência não pensar...”

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