Porque estamos aqui? Qual o objectivo de tudo? O que é a morte?
Apenas algumas questões que perturbam o ser humano, embora as tentemos esconder no fundo duma rotina diária ou duma existência controlada (nonsense ou imprescindível para não endoidecermos?).
Apenas algumas questões que perturbam o ser humano, embora as tentemos esconder no fundo duma rotina diária ou duma existência controlada (nonsense ou imprescindível para não endoidecermos?).
Esta era a temática base dos filmes desse génio cinematográfico de nome Ingmar Bergman.
Morangos Silvestres e O Sétimo Selo são duma genialidade imensa. Ambos atravessam os "porquês" do universo humano. O sentido do todo e de tudo isto.
Penso que essa é, acima de tudo, a questão que reside: porquê? À semelhança dos temas fundamentais do meu queridíssimo Dostoievski, também este realizador se debruça sobre a fé ou o sentido de tudo. Sobre se vale ou não a pena permanecer numa existência que não se escolheu e se vale ou não a pena oferecer essa existência a um novo ser.
Bergman tem ainda uma outra característica (tão sua) de (nos) levar de volta à infância. A infância como representante duma inocência, em que a nossa visão está condicionada pelo nosso próprio pensamento. A infância (ou inocência?) como sinónimo de alegria, conforto, dias solarengos e até mesmo da própria felicidade. A eterna luz e o acolhedor sol que só a juventude dá. Será por isso que se gosta tanto de voltar à infância? Será por isso que nos recordamos tão nitidamente de determinados e poderosos pormenores de cada momento marcante (os pormenores…sempre os pormenores)? Será por isso que nos sentimos tão bem com quem nos transmite (mesmo que ilusoriamente – porque o que vemos depende apenas e tão só de nós mesmos -) essa certa luz, como se regressássemos à infância ou (mais precisamente) a uma inocência perdida?
Bergman tem ainda uma outra característica (tão sua) de (nos) levar de volta à infância. A infância como representante duma inocência, em que a nossa visão está condicionada pelo nosso próprio pensamento. A infância (ou inocência?) como sinónimo de alegria, conforto, dias solarengos e até mesmo da própria felicidade. A eterna luz e o acolhedor sol que só a juventude dá. Será por isso que se gosta tanto de voltar à infância? Será por isso que nos recordamos tão nitidamente de determinados e poderosos pormenores de cada momento marcante (os pormenores…sempre os pormenores)? Será por isso que nos sentimos tão bem com quem nos transmite (mesmo que ilusoriamente – porque o que vemos depende apenas e tão só de nós mesmos -) essa certa luz, como se regressássemos à infância ou (mais precisamente) a uma inocência perdida?
"Quando era pequeno - muito pequeno, talvez oito ou nove anos - lembro-me de estar deitado na banheira, em casa dos meus pais, a ler um livro de quadradinhos. Era uma aventura do David Crockett, o desbravador do Kentucky e do Tenessee, que haveria de morrer na mítica batalha do Forte Álamo. Nessa história, o David Crockett era emboscado por um grupo de índios, levava com um machado na cabeça, ficava inconsciente e era levado prisioneiro para o acampamento índio. Aí, dentro de uma tenda, havia uma índia muito bonita - uma «skaw», na literatura do Far-West - que cuidava dele, dia e noite, molhando-lhe a testa com água, tratando das suas feridas e vigiando o seu coma. E, a certa altura, ela murmurava para o seu prostrado e inconsciente guerreiro: «não te deixarei morrer, David Crockett!»
Não sei porquê, esta frase e esta cena viajaram comigo para sempre, quase obsessivamente. Durante muito tempo, preservei-as à luz do seu significado mais óbvio: eu era o David Crockett, que queria correr mundo e riscos, viver aventuras e desvendar Tenessees. Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes, inconsciente. Mas ao meu lado haveria sempre uma índia, que vigiaria o meu sono e cuidaria das minhas feridas, que me passaria a mão pela testa quando eu estivesse adormecido e me diria: «não te deixarei morrer, David Crockett!» E, só por isso, eu sobreviveria a todos os combates.
Banal, elementar.
Porém, mais tarde, comecei a compreender mais coisas sobre as emboscadas, os combates e o comportamento das índias perante os guerreiros inconscientes. Foi aí que percebi que toda a minha interpretação daquela cena estava errada: o David Crockett representava sim a minha infância, a minha crença de criança numa vida de aventuras, de descobertas, de riscos e de encontros. Mas mais, muito mais do que isso: uma espécie de pureza inicial, um excesso de sentimentos e de sensibilidade, a ingenuidade e a fé, a hipótese fantástica da felicidade para sempre. Esse era o mundo que eu tinha entrevisto nesse dia longínquo da minha infância e que me cabia tentar defender o resto da minha vida. Então, eu era antes a índia, que não podia deixar que se apagasse essa imagem e o seu sentido e que teria de repetir incontáveis vezes ao mais fundo de mim mesmo - lá onde jazia, inconsciente, o David Crockett - que não o deixaria morrer."
Miguel Sousa Tavares
Nós podemos abafar todas as dúvidas existenciais ao longo duma existência sem tempo, mas elas nunca deixarão de existir.
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