quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Vertigo



Vertigo foi, recentemente, o vencedor da lista organizada pela Sight and Sound (publicação britânica que a cada dez anos reúne inúmeras pessoas de diversas áreas relacionadas com a sétima arte para elegerem os filmes que consideram mais marcantes na história do cinema). Nesse sentido, é uma lista mais de consensos do que propriamente de filmes do coração. Digamos que este foi o filme que mais eleitores mencionaram, destronando assim Citizen Kane de Orson Welles, em primeiro há cinco décadas. Não será então por acaso que a obra foi reposta nas salas de cinema, sob o epíteto de o melhor filme de todos os tempos. Que bom para nós que pudemos ver (ou rever) este filme de referência, na magia do grande ecrã, sobretudo numa época do ano em que sabe tão bem voltar aos clássicos.

Em português chamaram-lhe A Mulher Que Viveu Duas Vezes, título este que é exemplificativo das enormes aberrações que se cometem, por vezes, no campo das traduções cinematográficas, revelando uma enorme falta de imaginação e, eu diria até, uma ofensa ao autor. Note-se que o nome original está intrinsecamente ligado a uma característica duma das personagens (que indirectamente influencia as que o rodeiam) e o título português relega essa personagem para segundo plano, dando relevância a outros acontecimentos (que têm a sua importância, mas não são a razão de ser de todo o enredo).

O Mestre Hitchcock é um realizador dum talento notável, autor de filmes cheios de personalidade. Facilmente se reconhece uma obra sua e pode-se dizer que todas elas - ou mais divertidas ou mais negras - estão repletas de mistério. 
Vertigo é um filme que se destaca dos restantes, não por falta de mistério, mas pela maneira como esse mesmo mistério se adensa e é conduzido até à revelação. 

Trata-se dum filme de elevada qualidade em que as brilhantes interpretações de James Stewart e Kim Novak sobressaem. Este é, aliás, o papel mais emblemático que Novak desempenhou, envolto num misticismo, derivado sobretudo da sua contenção e do desconforto subjacente à personagem. Já Stewart, igual a si próprio, é aqui um herói em decadência, diminuído por uma limitação e derrubado por uma obsessão.

Vi-o há muitos anos e não me recordava do desfecho. Ao rever, tive o esperado dejá vu e questionei-me como aqueles momentos finais se me apagaram, pois estamos perante um desenlace difícil de esquecer. Possivelmente eclipsei-o da minha memória, por o achar um pouco macabro e com uma certa melancolia subjacente. Esse sabor mantém-se. Reconheço a genialidade do filme e a originalidade deste título no universo de Hitchcock, no entanto, tenho enorme dificuldade em simpatizar com o todo. Vejo uma vez, rendo-me aos encantos de Novak e à amargura de Stewart, mas não é obra que tenha vontade de rever. O final é amargo (ou no mínimo agridoce) e dificilmente alguém sai do cinema com uma sensação animadora.  Apesar destes sentimentos, não consigo imaginar outro remate: este assenta que nem uma luva no filme em questão, culminando assim todo o desconforto e morbidez do filme que fecha; mantendo, no fundo, a vívida personalidade do filme e contribuindo para o leque de vertiginosas cenas memoráveis desta obra. 

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