Before Midnight é a continuação de dois filmes de culto muito amados por uma fatia de público: Before Sunrise e Before Sunset.
Before Sunrise é um delicioso filme no qual Jesse e Celine se conhecem. Na casa dos 20s tudo é um mundo de intermináveis possibilidades. Os sonhos de infância estão ainda a borbulhar e prestes a acontecerem.
Os diálogos que se vão desenvolvendo ao longo do filme e dar a conhecer aquelas personagens de quem nos viremos a sentir tão próximos (quem é que já não teve 20 anos?) apaixonam o espectador, tanto como o local onde tudo decorre: ao longo das ruas de Viena. Cada local é um marco (particular referência à belíssima sequência final) onde cada momento deste par imprevisível vai acontecendo. Porque o amor, tal como a vida vai acontecendo imprevisivelmente a cada momento. E muitas vezes são os pequenos momentos aparentemente sem grande significado que carregam consigo uma enorme intensidade e, consequentemente, um significado esmagador que nos transcende.
Before Sunset (que não revi tantas vezes como o seu predecessor) é um filme algo triste e melancólico, apesar do inevitável e aparente happy ending. Dez anos depois de Viena, já na casa dos 30s, Jesse e Celine reencontram-se em Paris. Apesar do (aparentemente acidental) reencontro ser motivo de alegria, a vida de ambos evoluiu tanto desde que se conheceram que somos levados a uma certa melancolia à medida que vamos descobrindo os sonhos que foram ficando pelo caminho, os rumos que a vida de ambos foi tomando e a certeza inevitável de que o tempo não pára e há momentos, épocas e idades que são irrepetíveis. Nevertheless outra sensação que nos fica deste filme é a certeza que nem sempre é tarde para viver o que se deixou pelo caminho, para viver os sonhos que se foi deixando adormecer, para viver aquilo que sempre se quis e nas palavras de Irvin D. Yalom, resgatar a pessoa promissora que somos, desde que a isso se esteja disposto.
Before Midnight mostra a vida destas duas personagens 18 anos após o primeiro encontro. Nessa fase já as vidas evoluíram muito, nomeadamente no campo da maternidade/paternidade, que diga o que se disser é uma mudança radical e definitiva. É o tipo de acontecimento que altera completamente a visão que se tem do mundo, bem como as prioridades e a vida prática. Nesta fase, Jesse e Celine já partilharam grande parte dos acontecimentos da vida adulta e entrarão agora noutro grande desafio: envelhecer juntos. Será que estão preparados para essa escolha diária? Para se reinventarem a cada revés? E, voltamos de novo àquele glorioso momento 18 anos antes, àquela noite inesquecível onde tudo parecia perfeito e promissor. Poderá a intensidade desse momento ter força suficiente para enfrentar o desencanto e o cansaço? Para trazer a criatividade e a paixão adormecida ao dia-a-dia? É incrível a capacidade que o ser humano tem por desprezar e dar por adquirido aquilo que vai conquistando. Como se pudesse percorrer todo esse percurso de novo e não houvesse caminhos irreversíveis. Como se a vida não fosse construída a cada momento, em cada dia e que por esse motivo devesse haver uma dose considerável de gratidão a cada novo fôlego.
E somos compelidos a relembrar a gloriosa crónica Eternamente de Sousa Tavares:
""E escrevi o teu nome e o teu número de telefone numa página da agenda do mês de Fevereiro. E, ao escrevê-lo, sabia que era uma despedida, mas todo o mês de Março nos arrastámos na despedida, como caranguejos na maré vazia. Sem ti, lancei outras raízes, construí pátios e terraços, fontes cujo som deveria apagar todos os silêncios, plantei um pomar com cheiro a damasco, mandei fazer um banco de cal à roda de uma árvore para olhar as estrelas no céu, um caminho no meio do olival por onde o luar pousaria à noite, abóbadas de tijolo imaginadas pelo mais sábio dos arquitectos e até teias de aranha suspensas no tecto, como se vigiassem a passagem do tempo. Nada disso tu viste, nada te contei, nada é teu. Sozinhos, eu e a aranha pendurada na teia, contemplámo-nos longamente, como quem se descobre, como quem se recolhe, como quem se esconde. Foi assim que vi desfilar anos, as paredes escurecendo, um pó de tijolo pousando entre as páginas dos mesmos livros que fui lendo, repetidamente. Heatcliff e Catarina Linton destroçados outra vez pela minúcia do tempo.
Como explicar-te tudo isto se te tornou alheio, como tudo te pareceria agora estranho, como nada do que foi teu vigia o teu hipotético regresso? Ulisses não voltará a Ítaca e Penelope alguma desfará de noite a teia que te teceste.
E arranquei a página da agenda com o teu nome e o teu número de telefone. Veio a seguir Abril e depois o Verão. Vi nascer a flor, a tremocilha e das buganvílias adormecidas, vi rebentar o azul dos jacarandás em Junho, vi noites de lua cheia em que todos os animais nocturnos se chamavam rãs, corujas e grilos, e um espesso calor sobre a devassidão da cidade. E já nada disto, juro, era teu.
E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que façam para o deter.
Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-o agora vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."
Jesse e Celine já não são as mesmas pessoas que eram quando se conheceram, nem quando se reencontraram há 8 anos. Jesse e Celine, como todos nós, são pessoas que morrem e renascem diariamente; em que cada nova vivência, cada movimento perpétuo diário os transforma eternamente.
""E escrevi o teu nome e o teu número de telefone numa página da agenda do mês de Fevereiro. E, ao escrevê-lo, sabia que era uma despedida, mas todo o mês de Março nos arrastámos na despedida, como caranguejos na maré vazia. Sem ti, lancei outras raízes, construí pátios e terraços, fontes cujo som deveria apagar todos os silêncios, plantei um pomar com cheiro a damasco, mandei fazer um banco de cal à roda de uma árvore para olhar as estrelas no céu, um caminho no meio do olival por onde o luar pousaria à noite, abóbadas de tijolo imaginadas pelo mais sábio dos arquitectos e até teias de aranha suspensas no tecto, como se vigiassem a passagem do tempo. Nada disso tu viste, nada te contei, nada é teu. Sozinhos, eu e a aranha pendurada na teia, contemplámo-nos longamente, como quem se descobre, como quem se recolhe, como quem se esconde. Foi assim que vi desfilar anos, as paredes escurecendo, um pó de tijolo pousando entre as páginas dos mesmos livros que fui lendo, repetidamente. Heatcliff e Catarina Linton destroçados outra vez pela minúcia do tempo.
Como explicar-te tudo isto se te tornou alheio, como tudo te pareceria agora estranho, como nada do que foi teu vigia o teu hipotético regresso? Ulisses não voltará a Ítaca e Penelope alguma desfará de noite a teia que te teceste.
E arranquei a página da agenda com o teu nome e o teu número de telefone. Veio a seguir Abril e depois o Verão. Vi nascer a flor, a tremocilha e das buganvílias adormecidas, vi rebentar o azul dos jacarandás em Junho, vi noites de lua cheia em que todos os animais nocturnos se chamavam rãs, corujas e grilos, e um espesso calor sobre a devassidão da cidade. E já nada disto, juro, era teu.
E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que façam para o deter.
Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-o agora vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre."
Jesse e Celine já não são as mesmas pessoas que eram quando se conheceram, nem quando se reencontraram há 8 anos. Jesse e Celine, como todos nós, são pessoas que morrem e renascem diariamente; em que cada nova vivência, cada movimento perpétuo diário os transforma eternamente.
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